quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Marcos, o mendigo

Bom dia, boa tarde, boa noite!

#DesafioDaGratidão2015 está firme e forte!
E algumas peças começam a ser pregadas em mim, para aprender alguma coisa, para compreender outras que aparentam estar obscuras.

de ontem...

Saí para jantar com um amigo, num restaurante próximo. Sentados à mesa que se encontrava na calçada. Pedimos uma garrafa de refrigerante, dois copos, e um lanche, daqueles que vem divididos e daria para saciar nossa fome, que não era grande. O objetivo deste encontro era conversar, e não só comer... Foi bacana!

Após umas duas horas de conversa, no assunto que mais nos agradava naquele momento, fomos interrompidos por um mendigo. Pediu para falar conosco, em pé, ao meu lado.
Eu estava com frio, e primeira coisa no que pensei ao vê-lo foi como estaria este que nos interrompe.

Primeira frase dele, bastante emblemática, nos expôs que não tem preconceito. Que homem pode gostar de homem, e mulher de mulher, que ele não liga, pois o amor é o mesmo. Ele não gosta de preconceito.
Embora não sejamos namorados, entendemos que poderia ter pensado isso. Não importava muito naquele momento revelar isso para ele. Afinal ele queria falar, e a gente estava pronto para ouvir.

"Eu sou de Hortolândia, mas estou morando por aqui" - disse ele, ainda sem nome, em pé, com os olhos fixos na mesa onde estava um último pedaço do lanche, já frio, claro.
"Estou com fome!" - exclamou ele, continuando a prosa.
Não dando muito espaço para nossas respostas, o interrompi perguntando seu nome. Agora não éramos mais estranhos, ele é o Marcos, e eu o Rodolfo.
Ele tem 44 anos e eu 28... Ele mora no mesmo bairro que eu, pelo que falou. Estranho nunca tê-lo notado por lá... As vezes essas pessoas são invisíveis, vai saber!

Meu amigo lhe pede que sente, e aí a conversa ultrapassa os limites dos preconceitos.
Ele não é mais o pedinte que nos interrompeu a conversa, se torna nosso amigo, visível.
As pessoas que passam pela calçada já não torcem mais o nariz, ele agora é parte do círculo.
A diferença é que estávamos com a barriga cheia, e ele não parava de fitar o pedaço do lanche descansado no fundo do prato, gelado, já quase sem gosto. Aqueles últimos pedaços que quase não têm mais recheio, sabem?

Lhe perguntei se uma marmita de comida lhe agradaria. Ele respondeu que sim, dizendo que éramos diferentes, que havíamos olhado para ele e o tratado bem. Disse que poderia ficar melhor, se comprássemos também uma latinha de cerveja. Ainda não pagamos a conta, e a conversa que fluía dificultava chamar o garçom. Continuamos a papear.

Fomos de sua história, de pai de três filhos, uma com 22, outra com 17 e o caçula com 6. Ele tem muita saudade dele, mas sua mulher o largou e ele não pode voltar para casa. Ela não consegue entender que ele precisa de ajuda, foi o que nos disse.
Há também duas filhas anteriores ao amor dele com ela, que ele assumiu de outro pai, mas que por serem mais velhas já casaram, disse também, completando a família. Ele é até avô, pois uma destas tem uma filha. Mas a saudade maior é de ver o caçula, seu sonho sempre foi ter um filho "sujeito homem", repetiu algumas vezes.

"Será que um dia conseguirei ir ao cinema com meu filho?" - nos pergunta.
"Claro" - respondemos. Mas precisa passar por muitos limites para conseguir essa conquista. Algo tolo, simples para nós... Com muito significado para ele.
"Preciso ir ao banheiro, onde fica?" - Meu amigo se levanta e o acompanha, também precisava ir.
Imaginem se o gerente e uma garçonete não ficaram extremamente incomodados com essa situação?
Ah se falassem algo! Nosso convidado, sem preconceito, sendo excluído.
Mas ficaram só nas caras torcidas, preocupados com os poucos clientes que ali estavam. O que iriam pensar né?
Um ser humano sem oportunidades comendo num mesmo lugar que outros seres humanos cheios de oportunidades... Era o que eu via. Era o que eles não aceitavam.

No retorno à mesa, eu com o cardápio na mão notei que não havia marmita. Perguntei para o garçom, que explicou ter três opções. Marcos escolheu comer cupim. Arroz, feijão, cupim, numa marmita de isopor, enrolada numa sacola, com um garfo de plástico do lado de fora.
Mostravam, o gerente, o garçom e o restaurante, com esse gesto, que ele não era bem-vindo ali, devia ir logo embora.
Mas ele, sentado em nossa mesa, era nosso convidado.

Mesmo depois de dizermos para ele, umas quatro vezes, que comesse com a gente, ele disse que precisava ir pra casa. Nos disse, na conversa que tivemos por quase uma hora, que morava e trabalhava com seu pai, e que este o estava esperando, sempre preocupado.
Disse sobre sua separação, seu "problema com vício" (palavras dele) e o quanto isso lhe machucava.
Repetiu diversas vezes sobre seu filho. Disse ser católico por "ter Nossa Senhora na carteira", disse ser evangélico "por ler a bíblia", e espírita "porque minha mãe é".

Falou de amor, filosofia, de morte. Falou de filho, de sonho, de má sorte.
Falou do céu, do inferno, e de deus. Falou de flores, de nós, dos seus.
Falou da rua, da escola, do trabalho. Falou da bebida, da mulher, dos "atalho".
Falou de preconceito, quebrou muitos deles. Falou de amizade, somos dois deles.

Nos pediu um maço de cigarros. Negamos, assim como havíamos negado a cerveja.
Disse ser difícil largar o vício. Perguntei se ele queria, ele acenou que sim.
Sei de sua dificuldade, há drogas legais que são mais letais que muita coisa ilegal, imoral...
É pra burguês ver!
Beber em casa, no seu bar particular, cheio de garrafas compradas sem imposto é bonito.
Encher a cara de cachaça, largado na calçada, é falta de opção, é manipulação.
Passa no horário nobre da televisão, só quem não quer ver, não vê. Foi escondida pela "bunda do verão".
A linha entre o controle e o vício é muito fina. E necessita ter muito empenho.
Sair então? Sabemos o quanto é difícil. Não fechamos os olhos para isso.

Mas naquele momento quisemos dar uma palavra de confiança. Proibimos ele de voltar a beber, de fumar. É o que ele queria, mas estava controlado, era muito difícil sozinho dar esse passo.
Chorou. Ninguém havia falado com ele assim. Ninguém acreditou nele. Ninguém parou para ouvi-lo.
Pelo menos por uma hora, tivemos um amigo sentado conosco, nos ensinando a sobreviver nesse mundão sem cercas que ele vive.

Nos deu um abraço apertado e partiu... Até mais Marcos, quem sabe nos encontramos por aí.


Somos todos parte de um algo só. Um bairro só, uma cidade só, um país só, um mundo só.
Seres humanos invisíveis caminham ao nosso lado e nem notamos.
Cada um com sua história, sua vida, seus ensinamentos.
Todos sofremos preconceitos. Tomos somos preconceituosos.
Cada um na sua busca por felicidade. Cada um na sua busca de entender.
Alguns desistem nas burocracias que encontram pela vida. Nas dificuldades. Nas faltas de oportunidades. Nas oportunidades roubadas. Nas vidas roubadas. Nos sonhos roubados. Nos parentes assassinados. Na droga. No álcool. No tiro do ser humano fardado que defende o Estado. No soco do bandido do condomínio, filho do juiz, impune.
Desistem de enfrentar o mundo, pois é difícil conseguir se livrar dessas amarras.
Desistem de viver, entregam-se ao mundo, vivendo como ele vier...
Com frio, calor, sem onde dormir, dormindo em qualquer lugar.
Cada um com seu limite.

O filho da madame em depressão por não saber qual roupa usar, de tantas que tem.
O filho do mendigo que não vai ver o pai, alimentando a tristeza de não poder uma bola jogar!
A falsa felicidade que as coisas nos impõem. A busca por felicidade fora, no mundo...
E pra dentro? Quando vamos olhar?

Foi fácil agradecer pelo jantar de ontem, deitado em minha cama, quente.
Difícil foi pensar onde estaria o Marcos, e não poder no meu quarto o alojar.
Ainda temos preconceitos. Ainda temos limitações.
Mas minha vida foi transformada, na mesma medida que a dele, espero eu.
Quiçá um dia saiba dele, que voltou com sua esposa, seus filhos e hoje sente ao meu lado na fileira de um cinema...
Ah se todos tivessem as mesmas oportunidades!
Ah se o que valesse a pena fosse o quanto de história tem pra contar, e não quantas contas tem pra pagar!
Ah se o importante para o mundo fosse as pessoas, seu cuidado, e não os cifrões que enchem as contas no exterior.
Ah se pudéssemos trocar, por uma hora que fosse, a vida dos políticos que roubam dinheiro, nossos sonhos, nossa saúde e educação, pela vida destes pobres seres invisíveis.

Quem sente a dor do outro não dorme em paz.

E neste dia, minha gratidão é essa.
Gratidão pela oportunidade de conhecer o Marcos, de aprender muito neste encontro.
Gratidão por sentir, ainda que externamente, a dor do meu irmão, que divide esse mundo comigo.

Gratidão!

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Desafio da GRATIDÃO 2015 - 100 dias

Namastê, queridos leitores...

Namastê, em sânscrito, significa "meu deus interior cumprimenta seu deus interior", num simples cumprimento de fazer uma vênia em direção ao outro com quem terá diálogo.
Simples, mas com uma força capaz de transformar qualquer relação.
Pensar que, com o melhor que existe em mim, eu te saúdo ao melhor que existe em ti. Entrego inteiramente meu pensar, meu sentir e meu estar neste gesto de carinho para contigo, e assim lhe digo bom dia, boa tarde ou boa noite.

Digo isso para iniciar essa postagem, após muitos meses sem aparecer por aqui.
Muitas mudanças aconteceram em minha vida desde então, e é disso que quero partilhar com vocês.

Iniciei fazendo Ioga (ou Yoga)... Depois um curso de Filosofia Budista...
E também, há 100 dias atrás, um Desafio de passar 300 dias sendo grato por algo.

Ser grato, ou ter gratidão, é muito mais que agradecer somente. É colocar toda sua energia, sua participação, naquilo que está tornando consciente naquele momento. É entregar-se totalmente a algo que lhe agrade, reconhecendo o quanto aquilo transforma sua vida.
É intenso, e uma excelente experiência.

Por ser cristão, aprendi o quanto é importante ser grato pelas coisas, situações e até necessidades que temos na vida. Não como método para aparentar estar tudo bem, mas como reconhecimento de que, mesmo nos dias ruins, há sempre algo que possa agradar; mesmo nos desafios, há sempre algo que se possa aprender.

Assim iniciei minha jornada de 100 dias. Trazendo na bagagem os ensinamentos de Cristo, segundo a Bíblia, e buscando me entender melhor, me conhecer mais a partir da Filosofia e Filosofia Budista, fazendo Ioga para melhorar minha concentração, minha percepção de mim e meu equilíbrio.
Intenso!

Nos primeiros dias era difícil achar algo a agradecer, ou melhor, a ser grato. Agradecer dá pra fazer com qualquer coisa, mas ser grato é um pouco mais elaborado, mais intenso, necessita maior dedicação.
O que ser grato? Como encontrar algo neste meio cheio de desafios e necessidades?
E naqueles dias que parece que tudo dará errado?
Aceitei o desafio mesmo assim. Continuei buscando ser grato, enfrentando as dificuldades disso.

Quando um mês foi completado, as sensações eram de que as coisas estavam melhorando. Que a gratidão estava me dando oportunidade de ver a vida com outros olhos. Que estava tudo caminhando bem, tudo poderia ser objeto de gratidão, não precisaria gastar tanto tempo "encontrando" o que ser grato.
Eis que algumas coisas começam a não dar muito certo. Eis que continuamos a encontrar os desafios, as necessidades de nossas vidas, os enfrentamentos cotidianos. As barreiras agora parecem muito maiores, que estranho!
A sensação de que não seria capaz de enfrentar foi grande. A fragilidade com que me encontrava parecia ser final.
Mas, o desafio não poderia ser barrado, devia continuar! E ainda assim, nos dias difíceis, buscava encontrar algo que me valia muito a pena ser grato. Muitas vezes algo simples mesmo do dia-a-dia, sem esperar algo milagroso.
Até um bom dia de alguém que não está acostumado a te cumprimentar faz diferença. Pode ser seu pai, sua mãe, seu irmão, alguém com quem conviva diariamente.

Passam os dias tenebrosos, cheios de tempestades... Parecia que o cinza nunca daria espaço ao azul novamente. Dias escuros, transtornados.
Faz parte! Crescemos na dificuldade.

Continuar a ter gratidão foi um exercício intenso, especial, diferente. Buscar encontrar aquilo com que teria valido a pena o dia, por baixo da escuridão dos problemas, era algo que fazia olhar o mundo de outros pontos de vista.
E assim continuei.

Passaram mais dois meses, completo hoje 100 dias de desafio. Um terço do combinado.
Uma fração ainda pequena naquilo que será completá-lo. Um desafio grandioso.

E hoje, dificilmente encontro uma ÚNICA coisa a ser grato, a ter gratidão.
São às pessoas de meu convívio. São as minhas reflexões diárias a respeito da vida. São os animais e plantas que encontro no dia-a-dia. São os simples gestos que fazem a gente acreditar que o mundo se transforma. São as percepções de tantas pessoas caminhando neste mesmo rumo. São os desafios de encontrar o equilíbrio, a sobriedade, o amadurecimento, a temperança, a coragem, o amor.
Desafios que engrandecem. Respeitos que fortalecem. Gratidão que dá alma aquilo que parece inanimado. Gratidão que me faz perceber parte de um gigantesco emaranhado de possibilidades. Gratidão que me faz feliz, mesmo nos dias que tudo parece triste.

Gratidão aos 100 dias de desafio, e à Flavia Melissa por ter me proporcionado este encontro.
Gratidão pela gratidão!
_______________________________________________________________________________

Se alguém quiser saber mais, clique aqui